Falsas declarações e a desvalorização da palavra da vítima nos crimes contra a dignidade sexual
Embora a minha newsletter não tenha o foco jurídico, por vezes, planejo trazer algumas pautas que considero importante e que acho que os pontos que irei levantar irão fazer a diferença na perspectiva dos leitores. Por essa razão, dessa vez, resolvi trazer um tema que sempre esteve nos meus estudos desde antes de eu entrar na faculdade de Direito, em 2012.
Naquela época, fiquei sabendo de uma notícia que me impactou bastante. Foi sobre a história de Eugênio Fiúza de Queiroz, preso injustamente por 17 anos por ter sido confundindo com o “maníaco de Anchieta”, autor de vários crimes de estupro em Belo Horizonte, na década de 90.
Em 2019, a Justiça condenou o estado, em primeira instância, a pagar R$ 3 milhões a Fiúza por danos morais e existenciais, além de pensão mensal vitalicia de cinco salários mínimos por danos morais.
Destaca-se que, o verdadeiro culpado foi identificado apenas em 2012 por uma das vítimas nas ruas de Belo Horizonte.
Embora, haja muitas coisas a serem destrinchadas, não irei falar sobre todas, se não, o texto ficará ainda maior, portanto, vou me ater as falsas declarações e a desvalorização da palavra da vítima nos crimes contra a dignidade sexual.
E para contextualizar, vamos para um relato bíblico. De acordo com a palavra de Deus, Jacó amava mais a José do que aos outros irmãos, o que despertava neles ciúmes e inveja. Certo dia, seus irmãos resolveram vendê-lo aos ismaelitas por 20 barras de prata.
No entanto, ao chegar ao Egito, José foi vendido pelos ismaelitas a um egípcio chamado Potifar, um oficial que era o capitão da guarda do palácio real. Como era um homem temente a Deus, José logo ganhou a confiança de Potifar, passando a ser administrador de sua casa, tomando conta de tudo o que lhe pertencia. Entretanto, a mulher de Potifar, sentindo forte atração por José, quis com ele ter relações sexuais, mas foi rejeitada.
E José, por ser um homem temente a Deus, fugiu da esposa de Potifar, deixando ali, sem perceber, sua túnica, que logo depois foi utilizada pela mulher de Potifar como prova de uma suposta tentativa de estupro, condenando José a prisão.
Por essa razão, a síndrome da mulher de Potifar remonta à palavra da Bíblia Sagrada, livro de Gênesis, em que a mulher rejeitada por um homem imputa a esse homem um crime que ela sabe que não aconteceu. No entanto, sem a prova material, a palavra da suposta vítima se tornaria a única prova existente.
Essa síndrome da mulher de Potifar, apesar de não ser tão amplamente divulgada, é comum e inviabiliza a palavra de mulheres que realmente foram violentadas, principalmente, em casos de violência doméstica, em que não há testemunhas oculares, e a palavra da vítima é o seu único meio de prova.
E a continuidade de casos como esses faz com que aumentem as chances de condenação de inocentes e absolvição de culpados, permitindo que as verdadeiras vítimas continuem vivendo em ambientes de violência e correndo risco de vida, já que agora teriam de fato feito uma queixa, aumentando a ira do agressor.
Na realidade de um contexto de crimes contra a dignidade sexual, a vítima, por si só, já sente vergonha e medo suficiente pelo fato dos crimes serem tão horrivelmente assistidos pela sociedade, sendo, por vezes, a vítima até mesmo sendo considerada culpada de alguma forma.
E, além disso, vale dizer também que, em muitos casos, a vítima não é respeitada ao compartilhar o seu relato, sendo zombada em delegacias por profissionais que suspeitam de sua palavra, pelo fato de haver tantas queixas mentirosas além da ausência de prova material.
Por essa razão, diante da existência de falsas declarações, o responsável pelo julgamento do caso deverá ter a cautela, sensibilidade e aptidão necessária para apurar se os fatos relatados pela suposta vítima são verdadeiros, comprovando a verdade de sua palavra, uma vez que contradiz com a negativa do agente, ou se são relatos mentirosos, sendo decisivo para um decreto condenatório ou sua absolvição.
E ainda, que existam falsas acusações e ausência de prova material, a palavra da vítima não pode e nem deve ser desvalorizada, pois é a única prova e defesa daquelas que não têm outro meio de comprovar que o crime ocorreu, não somente em crimes contra a dignidade sexual, como em outros em que há falsas acusações.
Dessa forma, tanto os profissionais diretamente envolvidos, como, agentes da polícia, além de advogados que atuam na área, mas, também, profissionais responsáveis pela elaboração de leis, até de outros que, também atuam direta ou indiretamente, precisam ter mais sensibilidade com o tema e buscar meios para não causar ainda mais traumas naquela vítima que, deve ser a nossa prioridade.
Espero que gostem da leitura e entendam o que eu quis dizer,
Com carinho,
Joyce Silveira
Joyce, que leitura necessária. Você trouxe um tema delicado com muita seriedade e cuidado. Obrigada por esse conteúdo tão relevante.
Que texto interessante e muito necessário! Parabéns 👏🏾