Imprensa brasileira: até onde ela ajuda ou atrapalha nas decisões judiciais?
Na semana passada, falei que, algumas vezes, traria conteúdos jurídicos para debatermos por aqui. E hoje, mais uma vez, achei que era importante falarmos sobre o papel da imprensa brasileira nas decisões judiciais.
No Direito brasileiro, o juiz (ou magistrado) pauta suas decisões nas provas trazidas pelas partes (autor e réu) que buscam comprovar os fatos discutidos no processo, e seu exercício se baseia na reconstrução da história alegada, que será buscada dentro do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, e não a todo custo, como no antigo sistema inquisitório, assim como, as devidas cautelas necessárias de proteção ao acusado, não sendo necessariamente a real verdade, mas sendo a verdade possível de se concluir durante o processo.
Nesse sentido, caberá às partes envolvidas fazer uso da prova em suas alegações, e ao juiz caberá apenas decidir, conforme o processo que ele tem em mãos, preservando a imparcialidade das decisões judiciais; entretanto, o que se vê é que o sensacionalismo da imprensa gera uma influência no sentimento inserido na sociedade e, na formação de sua decisão.
Esse sentimento acaba por ameaçar os direitos e garantias fundamentais inseridos na Constituição Federal do Brasil, impactando diretamente na garantia da ordem pública.
Destaca-se que, o sistema midiático não pode e nem deve influenciar nas decisões judiciais, pois, motivados por programas sensacionalistas, que visam apenas conseguir audiência a todo custo, acabam por tornar culpados potenciais suspeitos, desrespeitando não somente o acusado, mas também o Estado de Direito, estimulando condenações sem previsão legal, que não deveriam até então ser decretadas com base em fundamentos genéricos, abstratos e de sentimento, inseridos pela mídia na sociedade.
Dessa forma, a influência da imprensa e o clamor da sociedade não deverá ser utilizada como critério de valoração para formulação de sentença, devendo o magistrado ater-se aquilo que as partes trazem ao processo, respeitando-se as previsões constantes no bojo da Constituição Federal e das leis esparsas, tendo em vista que fundamentar sua decisão com base em exposições da mídia poderá gerar situações prejudiciais e até mesmo irreversíveis ao acusado.
Decidir conforme a vontade popular traz instabilidade na democracia brasileira e ao indivíduo como sujeito de Direito, sendo imprescindível trabalhar com provas congruentes e não em falácias de pessoas leigas e não atinentes ao fato, de modo a banalizar o Direito.
Dizem que ‘a voz do povo é a voz de Deus’, mas se utilizar de crendices populares faz com que o Direito perca a sua essência, confiando em pessoas não instruídas a liberdade e dignidade do sujeito de Direito, devendo a sentença do magistrado ser formulada sob o manto do devido processo, na qual as partes têm a garantia de uma tutela efetiva, sob pena de nulidade.
É válido dizer também que, o Direito Penal protege a sociedade, mas, antes de tudo, protege o indivíduo. E jogá-lo nas mãos da sociedade é estimular uma condenação incoerente, ainda que seja de um crime que de fato ocorreu, pois, sendo condenado, ainda que cumpra sentença, poderá ser eternamente punido pela sociedade, com dificuldades de ressocialização, voltando a perspectiva pré-histórica em que a sociedade julga os crimes ocorridos e o Estado serve apenas como instrumento de punição.
Por sua vez, é importante destacar que a grande exposição midiática prejudica não somente o acusado, como também a vítima, já que não expõe somente o crime, mas, também a vida privada de ambos, fazendo com que tanto um, quanto outro, seja de certa forma punido, não tendo a vítima, sua liberdade física comprometida, mas estando presa aos olhos da sociedade por tempo indeterminado.
Espero que possamos debater mais assuntos desta forma.
Com carinho,
Joyce Silveira
Seu post me lembrou do musical Chicago, onde o advogado utiliza da impressa para defender a protagonista acusada de assassinato sabendo da influência de uma das jornalistas que estava cobrindo o caso. Mesmo que seja um exemplo fictício, não está muito distante da nossa realidade
Socorro! Eu trabalho para uma agência que tem assessoria de imprensa para o setor jurídico. Eu precisava muito ler isso tudo. E nem sabia. Você arrasou. Acrescentou muito para mim e para minha opinião como alguém que por vezes trabalha com isso. 👏🏼